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Embora sem me apresentarem os alicerces de
suas razões, ouvi alguns estudiosos afirmarem que Jesus não sabia ler. Parece-me
que desdenhar a figura de Jesus, a tradição apostólica ou até mesmo a fé, seja
para alguns, sinal de perspicácia. Apesar de possuir o dever moral de respeitar
diferentes pontos de vista, acredito que essas pessoas se equivocam, por vários
fundamentos em sentido contrário.
É verdade que muitos indivíduos não sabiam
ler e escrever na época de Jesus. Escrever era profissão e cabia aos escribas
tal mister. A história relata que até mesmo imperadores eram analfabetos. Havia
aqueles que não sabiam escrever, mas sabiam ler.
E Jesus, será que sabia ler? Na Bíblia há
pelo menos um episódio onde Jesus lê e outro onde escreve. O Evangelho de
Lucas relata que Jesus “entrou na sinagoga em dia de
sábado, segundo o seu costume, e levantou-se para ler. Foi-lhe dado o livro do
profeta Isaías” (Lc 4, 16-17). No Evangelho de João, no episódio, onde
escribas e fariseus trazem a Jesus uma mulher adúltera, e colocando-o à prova, questionam
a lei de Moisés que previa a morte por apedrejamento em tal situação. “Jesus, porém, se inclinou para a frente e escrevia com o dedo
na terra. Como eles insistissem, ergueu-se e disse-lhes: Quem de vós estiver
sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra. Inclinando-se novamente,
escrevia na terra. A essas palavras, sentindo-se acusados pela sua própria
consciência, eles se foram retirando um por um, até o último, a começar pelos
mais idosos, de sorte que Jesus ficou sozinho, com a mulher diante dele” (Jo 8,
6-9).
Era costume entre
os judeus recitar trechos da Sagrada Escritura, que sabiam de cor.
Cantavam os salmos durante os afazeres diários, durante as viagens,
peregrinações. Tinham um contato, talvez até maior com a Palavra de Deus do que
muitos dos cristãos de hoje, que embora tenham pleno acesso à Bíblia não a
leem. Era uma grande honra para a família quando o menino, após completar a
idade de 13 anos e ser considerado um homem a partir de então, poder em dia de
sábado ler na Sinagoga trechos das Escrituras. As Sinagogas, local da celebração religiosas aos
sábados, funcionavam como escolas nos outros dias da semana.
O livro do
Deuteronômio determina ao povo de Israel que escreva os mandamentos e os amarre
nas mãos e na testa diante dos olhos (filactério). Determina também que os mandamentos
devem ser escritos e postos nos batentes das portas (mezuzah). “Inculcarás a teus filhos, e deles falarás,
seja sentado em tua casa, seja andando pelo caminho, ao te deitares e ao te
levantares”. No mínimo deveriam saber ler para poder cumprir estes preceitos (Dt,
6).
Era permitido ao
povo ter em casa trechos da Sagrada Escritura. Flávio Josefo, renomado
historiador judeu, que nasceu pouco tempo após Jesus, relata que durante o
século II a.C., quando o povo amargava grande perseguição por parte de Antíodo
IV Epifâneo, rei da dinastia Selêucida (um dos reinos que surgiu após a morte
de Alexandre Magno, que por não ter herdeiros diretos teve seu império dividido
entre seus generais), além de mandar construir um altar no Templo e ordenar que
lá se sacrificassem porcos, o que é uma das coisas mais contrárias à religião
judaica, mandou “queimar todos os livros
das Sagradas Escrituras e não poupava ninguém na casa em que os encontrava”
(História dos Hebreus, 465). O fato das pessoas portarem
Textos Sagrados em suas casas, é sinal de que sabiam ler.
Diferente de
outros povos, o judeu sempre presou pela leitura e conhecimento dos textos das
Sagradas Escrituras, e para tanto precisavam saber ler. É claro que grande
parte do povo que vivia na miséria tinha pouco ou nenhum acesso à educação, o
que não era o caso de Jesus, que embora pobre, aprendeu o oficio de carpinteiro
e teve inclusive oportunidade de peregrinar a Jerusalém quando garoto, junto
com a sua família.
Sejam pelos
fundamentos bíblicos ou pelos fundamentos históricos, tudo leva a crer que
Jesus, educado na cultura judaica pelo dedicado e amoroso José - pois cabia ao
homem transmitir a fé -, sim, sabia ler!
Jeandré C.
Castelon
Advogado,
pós-graduado em Cultura Teológica e membro da Pastoral Familiar